Jacques Lacan esforçou-se para responder algumas questões sobre a vergonha em uma lição de seu Seminário “O avesso da psicanálise”, a qual constitui sua maior contribuição sobre o tema. Muitas teses ali se esbarram, das quais tentarei aqui verificar o alcance na prática psicanalítica, bem como no laço social contemporâneo. Desse cruzamento, já destacamos o diagnóstico estabelecido nesse Seminário: não há mais vergonha, atrás da qual, todavia, uma “vergonha de viver” afetaria secretamente o sujeito moderno. Assim, incumbe a Lacan concluir: “É isto que a psicanálise descobre”. Tratarei neste livro de esclarecer essas razões, mas também de fazer valer aqui o inédito da oferta analítica. Dessa forma, ali onde protesta o dizer do sujeito da vergonha “oh, não!”, que ele seja risonho ou silencioso, permitir que advenha um saber. Não é essa a aposta da psicanálise? Freud não teria a isso se oposto, pois teria feito da associação livre a “promessa” de não ceder à vergonha, mas antes de aprender com ela.
Pratica psicanálise em Rennes (França). É membro da Internacional dos Fóruns – Escola de Psicanálise do Fórum do Campo Lacaniano (IF-EPFCL), professor e pesquisador de psicopatologia na Universidade Rennes II. É autor de La différence du sexe (2021, Éditions Nouvelles du Champ Lacanien), foi organizador de Lacan avec Wedekind (2019, Éditions PUR) e coeditor, com Alexandre Levy, de Pas de limite? Approche psychanalytique de la vie moderne (2021, Éditions PUR).
Saiba mais
Introdução
Parte I. O instante de ver da vergonha
1. A vergonha através do espelho
A. Vergonha e falta
B. O duplo vergonhoso do sujeito
2. A vergonha e o olhar
A. O que é o olhar?
B. Retorno à vergonha, de Sartre a Lacan
C. Os objetos de vergonha
Parte II. A vergontologia
1. A vergontologia, uma tentativa de definição
A. Condições prévias
B. Da dor à vergonha de existir
C. A vergonha de viver, mais do que a vergonha de existir
D. O segredo
2. Vergonha de viver e mal-estar na civilização
A. O capitalismo e a vergonha (I) O proletário e seu saber-fazer
B. O capitalismo e a vergonha (II) Vergonhas, discursos
C. O capitalismo e a vergonha (III) A vergonha e o numérico
D. O paradigma da vergonha de Franz Kafka
Conclusão
A vergonha de outra forma
Referências