Nos quatro textos compilados neste livro, até então inéditos em português, o leitor terá acesso ao estilo e método com que Otto Rank analisava obras literárias, manejando com rigor e criatividade o conceito freudiano, central, de fantasia.
“No entanto nós, os nascidos muito tarde, os netos sobrecarregados com todos os avanços mas também com todos os achaques das gerações transidas, estamos incumbidos de encontrar em nosso interior o reequilíbrio para todas as emoções antagônicas cuja manifestação determina ainda o destino do indivíduo, dos povos e, por fim, da humanidade, de forma tão inalterada ainda hoje como proclamam as poesias épicas de milênios passados, muito antes que nós estivéssemos aqui para escutá-los, e ainda muito depois que o bramido intrusivo do presente se houver esvanecido em nossos ouvidos fatigados” (Rank, em "Homero: contribuições psicológicas para a gênese da épica popular").
Foi sobretudo um homem das letras. Tornando-se pupilo de Sigmund Freud aos 21 anos de idade, contribuiu enormemente para a construção da memória escrita da psicanálise nascente: seja por meio da efetuação de registros ensejados pelo movimento freudiano da época; seja pela atuação como diretor administrativo da editora psicanalítica; seja, no decorrer de vários anos, pela colaboração no diligente trabalho de atualização da obra-prima de Freud: aquela que resgatava, no fenômeno onírico, justamente a possibilidade de uma leitura — trabalho que rendeu a Rank a singular distinção de constar, junto com o nome de Freud, na folha de rosto de uma publicação sua. No entanto, não foi apenas em colaborações que a letra rankiana mostrou seu peso, e isso desde o início: cumpre lembrar, por exemplo, que sua pesquisa de doutorado, desenvolvida no campo da literatura, é considerada o primeiro trabalho acadêmico de bases psicanalíticas. Anos depois, porém, o peso dessa escrita pareceu desbalancear os pratos do freudismo: se numa carta a Sándor Ferenczi, redigida em 24 de março de 1924, Freud chegou a dizer que era nas pesquisas de Rank sobre o trauma do nascimento que residia “o maior progresso desde a descoberta da psicanálise”, esse progresso seria mal recebido pelo círculo próximo, e depois pelo próprio Freud, como linhas que derivavam para longe do tinteiro — o que renderia a Rank, num segundo momento, a singular rasura de seu nome do livro dos sonhos. Ironicamente, porém, foi o próprio Freud quem legou com sua pesquisa que a rasura é, por assim dizer, a via regia de uma leitura digna de seu nome.
Introdução
A Ciência de Otto Rank
Janaina Namba
Nota do tradutor
Pedro Fernandez de Souza
O sentido da fábula de Griselda (1912)
A “peça de teatro” em “Hamlet” – Uma contribuição para a análise e compreensão dinâmica da poesia (1915)
Homero: contribuições psicológicas para a gênese da épica popular (1917)
A épica popular – Contribuições psicológicas para a sua gênese: II. A formação poética da fantasia (1919)
Posfácio
Os textos possíveis e os textos impossíveis
Pedro Fernandez de Souza