Foi sobretudo um homem das letras. Tornando-se pupilo de Sigmund Freud aos 21 anos de idade, contribuiu enormemente para a construção da memória escrita da psicanálise nascente: seja por meio da efetuação de registros ensejados pelo movimento freudiano da época; seja pela atuação como diretor administrativo da editora psicanalítica; seja, no decorrer de vários anos, pela colaboração no diligente trabalho de atualização da obra-prima de Freud: aquela que resgatava, no fenômeno onírico, justamente a possibilidade de uma leitura — trabalho que rendeu a Rank a singular distinção de constar, junto com o nome de Freud, na folha de rosto de uma publicação sua. No entanto, não foi apenas em colaborações que a letra rankiana mostrou seu peso, e isso desde o início: cumpre lembrar, por exemplo, que sua pesquisa de doutorado, desenvolvida no campo da literatura, é considerada o primeiro trabalho acadêmico de bases psicanalíticas. Anos depois, porém, o peso dessa escrita pareceu desbalancear os pratos do freudismo: se numa carta a Sándor Ferenczi, redigida em 24 de março de 1924, Freud chegou a dizer que era nas pesquisas de Rank sobre o trauma do nascimento que residia “o maior progresso desde a descoberta da psicanálise”, esse progresso seria mal recebido pelo círculo próximo, e depois pelo próprio Freud, como linhas que derivavam para longe do tinteiro — o que renderia a Rank, num segundo momento, a singular rasura de seu nome do livro dos sonhos. Ironicamente, porém, foi o próprio Freud quem legou com sua pesquisa que a rasura é, por assim dizer, a via regia de uma leitura digna de seu nome.